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Quem eu sou

terça-feira, 21 de novembro de 2017

Quem quer dois, perde um: 45 dias de Acre






Terça-feira. 19 de setembro de 2017. Dia em que fui convidada a mudar radicalmente de vida. Ingênua. Até então eu nem tinha entendido que aquele convite significaria isso: mudar radicalmente de vida. Na cabeça e no coração de uma pessoa que achava ter, na palma das mãos, o controle da própria vida, seria somente uma nova oportunidade profissional, ou mais ainda: a primeira chance de ter a carteira assinada e ser reconhecida como repórter. Isso também aconteceu. Realizei um sonho. O primeiro de uma série de sonhos que eu já tinha sonhado e traçado pra mim.

O segundo sonho era casar com aquele para quem entreguei meu coração por quatro anos. Isto era simples. Eu arrumaria a minha vida profissional em alguns meses e ele teria paciência para esperar isso - afinal também era um sonho dele. Em seguida, botaríamos em prática tudo o que desenhei na minha mente: uma quitinete planejada seria o suficiente para nós três. Eu, ele e o nosso pug. Muitas viagens a dois – era o que me movia a casar – Estados Unidos uma vez por ano – o melhor lugar do mundo para mim. Uma lua de mel em praias paradisíacas e a tão empolgante ideia de conhecer o Japão.

Eu sempre quis casar de branco, numa cerimônia sem luxos e que fosse a minha cara: assim meio metida a “diferentona”. Ele aprendeu e gostou de ser diferentão ao meu lado. Entrava nas minhas viagens. Dizia que casaria de terno de seda vermelho e que eu entraria primeiro, depois todos esperariam o noivo e não a noiva, como nas cerimônias tradicionais. Tudo era uma grande piada. Cada dia era uma ideia mirabolante diferente pro casamento que idealizávamos. Mas, no fundo, a ideia parecia tão distante e tão impossível. Sim, estava realmente distante e impossível - só que eu não sabia.

Quando as pessoas me diziam que a vida surpreende e que nem sempre tudo acontece como planejamos, eu achava que era mais um clichê. É tipo dizer para uma criança levar a sério o curso de inglês porque vai ser importante no futuro. Nenhuma criança dá ouvidos a isso. E ainda diz que é “papo de tio”. Assim como as crianças, eu também não dava ouvidos à ideia de que nem tudo acontece como planejamos. Mas, pasmem: isso acontece mesmo na vida adulta.

Ele não deu conta. Confuso, suspirou ao telefone por alguns segundos e finalmente soltou o que estava preso. Louvável atitude: quis que eu vivesse meus sonhos profissionais sem nenhuma interrupção. Frustrante: me deixou nadando sozinha. E agora? O que eu faria com tudo que desenhei? E o Japão? E a quitinete? E a montanha Russa do Hulk no Universal Studios que fomos duas vezes seguidas e planejávamos ir novamente numa próxima ida à Orlando? E uma cama confortável pra dormir com nosso pug? E o sítio imaginário que a gente jurava que teria para passar os finais de semana sem o ar da cidade grande?

Nadei, nadei e morri na praia. Sozinha, com um monte de sonhos nas mãos, numa cidade com poucos – mas verdadeiros – amigos e sem o colo de mãe, pai e padrasto pra dar um suporte. Vi os planos construídos em pelo menos quatro anos descerem pelo ralo. Chorei. Sete dias seguidos para ser mais específica. Esperneei que nem uma criança. Me humilhei. Tive medo de demorar a esquecer tudo isso assim como demorei a esquecer meu primeiro namorado (Pareço canceriana com tantas palavras choradas. Mas, juro que ainda sou aquariana).

O tempo cura e se encarrega de dar sentido às coisas que momentaneamente parecem sem fundamento. Com meus poucos 25 anos vividos, olho para trás e tenho noção de que isso é uma grande verdade. Quando meu primeiro namorado terminou comigo porque “nossas vidas eram muito diferentes”, eu achei que meu mundo desabaria – com 17 anos, qualquer coisa é motivo para achar que o mundo vai desabar. Me curei - depois de alguns anos, mas me curei. Aos 25, encaro a dor do amor não correspondido e da rejeição de forma mais madura. Mas não deixa de doer muito. Ainda bem, sinal de que estou viva.

O balde de água fria do término veio junto com a mudança de casa. Aqui no Acre eu estava morando com uma grande amiga que me deu a oportunidade de viver uma vida bem parecida com a que eu tinha em Brasília: cheia de conforto. Mas, eu tinha decidido andar com as minhas próprias pernas. Mais ainda? Sim, mais ainda. Que diabo de aquariana que gosta de se desafiar a todo instante!!! Na realidade, eu queria sentir que o meu conforto seria conquistado por mim e não pelos outros.

Na primeira noite na casa nova, uma cigarra me visitou antes de dormir - parece até o começo de uma poesia, mas não. Foi apavorante. Com os dias, fui comprando coisinhas que pareciam comigo, como um balde da mulher maravilha. R$ 7 nas Lojas Americanas. Eu não me sentia forte, mas queria algo que me lembrasse que eu poderia ser forte. A mulher maravilha parecia uma boa tentativa. Também comprei uma jarra de água e alguns prendedores de roupa que neste texto não têm nenhum significado. Eram só itens necessários na minha casa.

Bom, esta semana fiz 45 dias de Acre. Inicialmente, era o tempo programado – mas, no fundo eu já sabia que não seria só isso. Em 45 dias minha vida deu algumas reviravoltas. Mudei de casa três vezes, matei alguns insetos que não mataria em Brasília, já tenho marcas de picadas de insetos nos pés e nas pernas, meu ex-namorado me deixou, conheci a Bolívia, tomei água no saquinho por 50 centavos, dirigi na estrada, furei o pneu de um carro, emagreci 3kg – era um dos meus objetivos - conheci pessoas incríveis que me dão muito carinho, dei risadas infindáveis de doer a barriga, me admirei com os nomes exóticos, entrei em contato com uma natureza revigorante e tive tempo para olhar para mim e para tudo que achava saber da vida.

Trabalhei finais de semana, feriados, durante o dia e até a noite. Tenho experimentado toda a rotina de uma repórter de TV e estou me apaixonando cada dia mais. O “olhar no olho”, arrancar histórias, descobrir lugares e pessoas sempre me instigou. Não é a toa que estou aqui, sendo repórter.

Mas claro que trabalhar na rua, maquiada, às vezes de salto, e no calor úmido de 30 e poucos graus é desafiador. Isso sem contar a pressão, a correria, a habilidade que tem que ser desenvolvida para escrever e memorizar textos simultaneamente, preparar links ao vivo e pensar em como amarrar tudo isso. Também é preciso ver se o rosto não está derretido de suor, se o cabelo está no lugar e se o microfone não está torto. Os gestos fazem sentido com o que está sendo falado? As imagens ao fundo correspondem com a mensagem que quero passar ao telespectador? Enfim, estes são só alguns dos 1001 detalhes. Fácil não é - mas pelo menos essa certeza que eu tinha era real.

Falando em “certeza”, essa palavra poderia ser excluída da língua portuguesa. Depois 45 dias de aprendizados constantes, tenho aprendido também a viver um dia de cada vez. Hoje digo com muita propriedade que não tenho certeza de nada na vida. Mas tenho desejos e sonhos. Alguns foram subtraídos, outros seguem com a mesma intensidade. Pugs, jornalismo, amigos e minha família por perto. Por enquanto, é o suficiente para se sonhar. É o suficiente para se conquistar.

Ps.: a foto foi na Bolívia e este sapatinho branco está todo sujo de lama. Atolamos o carro no caminho. Essa história fica para um outro texto hahah.